A dependência química, tema fascinante para técnicos e leigos, mostra diversos aspectos e curiosidades pouco abordados em discussões em todos os níveis de conhecimento. Comecemos nossa conversa falando da história, controversa deste assunto.
Um mito conhecido nos remete à época do comércio, provavelmente, no Oriente na rota da seda, em longas viagens de mercadores, que além da seda traziam especiarias de terras distantes para o consumo na Europa. Dizem que durante uma viagem, um mercador muçulmano, para seu deleite, encheu um vaso com suco de uvas para degustar em sua longa viagem. Exposto ao intenso calor e a grande duração de sua jornada, as uvas fermentaram e produziram uma bebida de sabor agradável e propriedades tônicas, que foi aprovada e comercializada pelo mercador em seu destino e em seu retorno ao lar. Havia sido descoberta a fermentação e o vinho, tão apreciado até os dias de hoje e, provavelmente, causador concomitantemente dos primeiros alcoolistas. Durante as cruzadas, os europeus temiam os assassins, grupo de guerreiros Árabes que faziam uso do haxixin, que significa consumidores de haxixe, que ao utilizar-se da erva se tornavam poderosos e violentos guerreiros.

Na verdade, a origem de substâncias que modificavam o humor de seus consumidores não seria exatamente esta, já que desde o advento da escrita existem relatos de mais de cinco mil anos descrevendo a fabricação de bebidas alcóolicas, além do uso de outras substâncias psicotrópicas. Isso nos sugere que, até muito antes da história escrita, o uso de drogas estupefaciantes, já era de conhecimento dos povos antigos. Portanto, o uso de substâncias químicas, pode-se dizer, nasceu com a humanidade. Se levarmos a observação mais longe, veremos que animais, como é sabido, na África consomem o fruto da maruleira, cujo teor alcoólico é de dezessete por cento com o aparente objetivo de embriagarem-se. Gatos utilizam-se da erva-de-gato ou erva-gateira que produz visível efeito estimulante nos felinos reduzindo o estresse, melhorando tanto a socialização como as atividades físicas do animal. Os estudos como o de Foltin (1988) na Behavioral Pharmacology, sobre mecanismos de recompensa em macacos; Geertsen (2017) realizado com ratos mostrando efeitos neuroquímicos da cocaína na Sinapse,7; Miller (2015) publicado no jornal of Neuroscience Research, mostrando tanto mudanças na expressão gênica, como mudanças comportamentais em ratos; nos levando a crer que a dependência não consiste em um fenômeno exclusivo nos seres humanos.
Diversos estudos científicos demonstraram que as alterações comportamentais e neuroquímicas estão associadas a diminuição da atividade no córtex pré-frontal, tanto em humanos como em cobaias, embora noutras áreas conhecidas do cérebro, também observamos diversas alterações, como mudança de comportamento e déficit de memória.
Trago estes dados como estímulo e uma certa provocação para os interessados nesta área das neurociências, mostrando o quão interessante e estimulante pode ser o estudo das dependências não apenas relacionadas, como espero poder demonstrar nos textos que se seguirão a este, pois trata-se não somente do simples uso de substâncias químicas, mas também de diversos fatores culturais, pessoais e sociais envolvidos nessa patologia que podemos considerar pandêmica. Espero que além do conhecimento, eu possa ter trazido aos leitores motivos para aguçar sua curiosidade e compreender a complexidade do assunto em que hora nos debruçamos.

Dr. Guilherme Torres – Psiquiatra