“… o mundo atual vive uma crise do espírito, que desbanca o sentido da existência,
abrindo espaço para que a pessoa humana adentre os próprios pórticos escuros das
compensações com vícios e outras tantas dependências ilusórias a fim de amenizar a dor
da existência machucada e sem sedimentação.”
Autor: Dom Adair José Guimarães
Bispo da Diocese de Formosa (GO)
O Programa de 12 Passos
“Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade” (2º Passo) indica um Poder Superior, descrito na frase como ‘Poder maior do que nós’, ao qual os indivíduos que aderem ao programa devem inicialmente aceitar. Isso configura não um ato religioso, mas sim um ato de fé e espiritualidade, condições sine qua non para iniciar sua jornada de recuperação.
A espiritualidade é definida como uma busca pessoal pela compreensão de questões fundamentais sobre a vida, o espírito, o significado da existência e sua dimensão não material, além da relação e conexão com o sagrado ou transcendental. Essa busca pode ser ou não baseada e mediada por uma religião ou tradição de uma comunidade.
A influência da religiosidade/espiritualidade (R/E) no uso de substâncias é evidente. O modo como o indivíduo compreende o consumo de uma substância está permeado pelos valores e práticas de sua tradição. Escolher viver uma vida abstinente, não beber antes de rituais, fumar apenas durante rituais e utilizar enteógenos para a união com o divino demonstra uma visão dos efeitos espirituais da substância sobre o ser. O comprometimento religioso influencia as decisões e o estilo de vida da pessoa.
Desde 1988, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou a dimensão espiritual no conceito multidimensional de saúde, representada pelo conjunto de emoções e convicções de natureza não material e pela crença em algo maior na vida, para além da percepção e da compreensão.
A R/E apresenta relações significativas com a prevenção ao uso de substâncias, com mudanças de comportamento, busca por tratamento e manutenção da abstinência em dependentes químicos. Estudos revelam que um elevado nível de religiosidade individual representa um fator de proteção ao uso de substâncias e está associado a um aumento do bem-estar psicológico e social.
Pesquisas nacionais e internacionais recomendam avaliações da espiritualidade como parte integrante do atendimento em saúde mental e afirmam que tratamentos psiquiátricos e psicológicos integrados à espiritualidade podem ter maior aceitação entre pacientes religiosos.
Considerações
Para entender o que há por trás de um ser humano dependente — uma pessoa transtornada, transformada e controlada pelo vício e dependência — é preciso analisar e ‘reviver’ o que houve antes, considerando o que é necessário para haver um depois e poder emergir de tudo o que se passou. Isso é crucial para libertá-la das amarras que a congelam nessa situação e impedir que a arrastem para um lugar ainda mais inóspito.
Acreditando que o imperativo de uma vida não se mede pelos valores deste mundo, entende-se que a cura da adição por drogas não é somente no nível do corpo, mas também (e principalmente, talvez) da alma, do espírito e do interior profundo da pessoa humana. Cada ser humano é uma unidade vinda do amor e para o amor; dessa forma, uma vida que volta à sobriedade é motivo de comemoração, esperança, fé e renova os sentimentos de que é possível para todos.
De acordo com o mais famoso personagem de Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, “só se vê bem com o coração”. Para ter essa visão tão clara, limpa, sensível e honesta, é necessário praticar as virtudes e valores e lutar contra suas próprias fragilidades e vulnerabilidades: “vence quem se vence”.
É necessário entender o motivo de todo o ódio, raiva e demais sentimentos nocivos que envenenam a alma humana, como a vaidade, e abraçar a humildade, dedicando-se verdadeiramente à aceitação, perdão e redenção, em busca do amor.
“Deus, conceda-me serenidade para aceitar as coisas que eu não posso modificar,
coragem para modificar aquelas que eu posso; e, sabedoria para reconhecer as
diferenças
Autora do artigo: Marcella Abdelhay
Marcella Abdelhay – Terapeuta, pós-graduanda em Transtornos Aditivos pela PUC-Rio.