Dependência Química: A Disfunção Central é a Perda de Controle e o Prejuízo Funcional
Por Jairo Telles – Terapeuta e Conselheiro Pleno em dependência química
A dependência química é uma condição crônica e progressiva que vai muito além do simples uso de substâncias. Uma de suas principais características — e também a mais prejudicial — é a perda de controle sobre o consumo, acompanhada por um prejuízo funcional significativo na vida do indivíduo.
O que caracteriza a dependência química?
Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a dependência química, também chamada de transtorno por uso de substâncias, é marcada por um padrão recorrente de uso compulsivo, mesmo diante de consequências negativas. Isso inclui:
- Incapacidade de reduzir ou interromper o uso, apesar do desejo;
- Consumo em quantidades maiores ou por períodos mais longos do que o planejado;
- Persistência no uso, mesmo com prejuízos físicos, emocionais e sociais.
Esse padrão indica uma disfunção central: a perda de controle, que é considerada o critério diagnóstico fundamental da dependência.
Classificação internacional da OMS
A CID-11, da Organização Mundial da Saúde (OMS), reforça essa perspectiva. Define a dependência como um “padrão de comportamento de uso de substâncias que resulta em comprometimento significativo do funcionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes”.
Em outras palavras, a pessoa passa a viver em função da substância, abrindo mão de compromissos, autocuidado, vínculos e até mesmo da própria saúde física e mental.
Impactos da perda de controle
A disfunção central da dependência química traz consigo uma série de outras consequências que afetam a qualidade de vida do indivíduo:
- Prejuízos cognitivos, como o enfraquecimento da tomada de decisão e do julgamento;
- Isolamento social e degradação dos vínculos afetivos;
- Abandono de responsabilidades escolares, familiares e profissionais;
- Descaso com a saúde, muitas vezes agravando condições físicas e emocionais.
Como afirmam Inaba & Cohen (2011):
“A dependência não é apenas uma questão de força de vontade ou moralidade, mas uma condição médica crônica que afeta o cérebro, o comportamento e o funcionamento do indivíduo.”
A perda da escolha consciente
A dependência química anula gradativamente a capacidade de escolha consciente frente ao consumo. O sujeito se vê aprisionado em um ciclo de uso compulsivo que impacta todas as esferas de sua vida. Essa incapacidade de interromper o uso por vontade própria é o verdadeiro núcleo da doença da dependência.
Conclusão
Compreender que a maior disfunção do dependente químico é a perda de controle permite uma abordagem mais empática, baseada em evidências científicas. A recuperação exige mais do que força de vontade: requer tratamento multidisciplinar, apoio terapêutico e um ambiente que favoreça o acolhimento e a reconstrução da autonomia.

Deixe um comentário