De acordo com diversos relatos históricos, a ligação entre os atletas e as drogas é bastante conhecida. Os atletas Olímpicos da Grécia Antiga utilizavam ervas e cogumelos com o intuito de melhorar sua performance atlética. O abuso de drogas por atletas na era moderna foi considerado um problema no início dos anos 50. O uso de estimulantes foi relatado nas Olimpíadas de Inverno de 1952, em Oslo, Noruega. Nos anos 60, vimos um aumento progressivo no abuso de drogas em eventos esportivos. O uso de anfetaminas estava envolvido na morte de diversos ciclistas na década de 60.
Quando falamos em drogas também estamos falando de álcool.
Abordar esse tema faz-se urgente numa sociedade que cada vez mais clama por prazer imediato, alívio da angústia, produtividade a qualquer custo em qualquer área de trabalho, sucesso profissional e pessoal e uma exigência constante de bem-estar e felicidade. Dentro desta linha de raciocínio, não nos parece tão contraditório associar o uso de substâncias químicas e ilícitas ao esporte, não é mesmo? Até porque sabemos que existem muitos casos de atletas que usaram drogas em algum momento da carreira profissional por diferentes motivos.
A supervalorização de bons resultados, a competitividade extrema, o prestígio social, status, busca e manutenção de patrocinadores, tentativa de atingir as expectativas da sociedade de serem os “heróis” e a constante busca de resultados positivos e superação contínua incita os atletas a superarem seus próprios limites. Estes fatores muitas vezes fazem com que os atletas paguem qualquer preço para alcançarem o desempenho exigido, mesmo que precisem recorrer a substâncias ilícitas, fazendo com que os valores éticos do esporte sejam negligenciados, demonstrando que nem sempre a prática de esportes está associada a uma vida 100% saudável.
O abuso de álcool e drogas provoca diversos males à saúde física e mental dos sujeitos e com os atletas não seria diferente. A alta performance é diretamente afetada por tais excessos. Inicialmente, algumas substâncias podem até melhorar a performance dos atletas, como o uso de anabolizantes, por exemplo, entretanto, os danos a médio e longo prazo são graves e acabam acarretando um declínio na carreira dos atletas, fazendo com que muitos deles precisem inclusive se afastar do esporte e até passarem por tratamentos especializados.
Vários esportistas tentam se sobressair com o uso de drogas ou fármacos que melhoram suas habilidades. As drogas estimulantes são um grupo de drogas com características psicoativas que estimulam o sistema nervoso central e incluem as anfetaminas, cocaína, efedrina, entre outras que, no geral, aumentam o estado de alerta e concentração, melhoram a energia e a sensação de confiança. Entretanto, apresentam fatores adversos como aumento da pressão arterial, dores de cabeça, taquicardia, hipertermia, ansiedade, agitação, insônia, e as consequências podem ser piores dependendo da resposta do sujeito à droga, bem como as doses utilizadas.
Mesmo que não seja proibido o uso de álcool por atletas, até por tratar-se de uma droga lícita, os prejuízos na saúde e na performance dos esportistas surgem de variadas maneiras. Atletas também consomem álcool no intuito de melhorar sua função psicológica, bem como para aliviar o estresse pré e pós-competição, entre outros motivos. O álcool é socialmente aceito e associado a momentos de lazer na nossa cultura atual, bem como incentivado como uma válvula de escape para alívio do estresse e busca de relaxamento em nossa sociedade.
O uso de bebidas alcoólicas e, principalmente, o seu abuso afeta diretamente a performance dos atletas, comprometendo a velocidade, a força muscular, os reflexos, a capacidade respiratória, bem como o equilíbrio. Além disso, por ter efeito diurético, vitaminas e sais minerais importantes, como cálcio, zinco e magnésio, são eliminados do organismo com as constantes idas ao banheiro, após a ingestão de álcool. Sem contar o risco de desidratação, tal consumo também afeta o quesito hormonal, diminuindo os níveis de testosterona, outros hormônios e a síntese proteica. O álcool afeta a recuperação muscular de forma geral, bem como contribui para o ganho de peso dos atletas, já que a maioria das bebidas é excessivamente calórica. Muitos atletas também relatam o uso de maconha para diminuição do estresse, alívio da ansiedade e para ajudar na regulação do sono, evitando episódios de insônia e até irritabilidade. Outros relatam o uso de maconha para alívio de dores musculares pela sensação de relaxamento provocada por esta droga. Vale ressaltar que, quando falamos em maconha, é importante não confundirmos THC com CBD.
THC, ou tetrahidrocanabinol, é o principal componente da planta da maconha e é um canabinóide com propriedades psicotrópicas e alucinógenas, capaz de causar dependência química nos usuários.
Já o CBD (canabidiol) é uma substância extraída da planta Cannabis, que atua no sistema nervoso central e apresenta potencial terapêutico para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia, ansiedade, entre outras, mas que deve ser comprada com prescrição médica.
Independente do tipo de droga que abordamos ao longo do artigo, todas provocam prejuízos à saúde física e mental dos usuários. Com os atletas, podemos verificar o impacto na performance e na carreira, já que muitos acabam evoluindo para o desenvolvimento da dependência química, necessitando de tratamento especializado.
Ao longo das últimas décadas, acompanhamos diversos atletas que tiveram problemas com drogas, como Diego Maradona, Walter Casagrande e Jon Jones, entre outros. No mundo da luta, temos alguns exemplos de atletas que também tiveram problemas com drogas e que hoje levam uma vida totalmente diferente, voltada para a saúde e dentro do caminho da recuperação, como o ex-lutador do UFC, bicampeão mundial e bicampeão Legends Grand Slam Abu Dhabi, Rafael Carino.
Rafael começou usando maconha de forma recreativa aos 14 anos e, com o passar do tempo, experimentou outras drogas, como álcool, haxixe, LSD e cocaína, mas a maconha e o haxixe foram suas drogas de “escolha”. Em 1984, quando foi campeão brasileiro de jiu-jitsu, já com 21 anos, seu uso passou a ser diário. Segundo o próprio atleta relata, seu uso de maconha era para “relaxar” principalmente após os treinos. O que Rafael ainda não sabia na ocasião era que era portador de uma doença crônica e incurável, caracterizada principalmente pela compulsão e obsessão: a dependência química.
Como esta doença é progressiva, Rafael aumentou ainda mais o uso de drogas até conhecer o skank (uma maconha produzida em laboratório com um efeito ainda mais devastador). A partir daí, a queda no seu rendimento como atleta de alta performance já estava visível, e esta queda durou alguns anos, principalmente em grandes competições. O abuso de drogas afetou de forma significativa seu condicionamento físico e sua concentração, afetando também seu estado emocional e mental de forma geral.
Rafael relata que seu “fundo do poço” ocorreu na derrota pelo cinturão do Cage Rage, em 2005, em Londres, contra o lutador Pezão. Após este evento, Rafael decidiu procurar ajuda, ingressou na irmandade Narcóticos Anônimos e parou de usar todas as drogas, incluindo o álcool. Nesta trajetória de recuperação, o atleta já completou 15 anos de sobriedade. Atualmente, atua na área de álcool e drogas como terapeuta, pois em 2021 decidiu fazer o Curso de Aconselhamento em Dependência Química.
Rafael acredita que ao falar da sua história neste artigo e levar a mensagem de recuperação em outros espaços, poderá ajudar muitos atletas e pessoas no geral a procurarem ajuda, independentemente dos julgamentos que possam vir a sofrer.
Rafael aproveita a oportunidade para mandar um recado para todas as pessoas que usam alguma droga:
“Repensem seus hábitos e, para quem nunca usou, continue sem experimentar, porque pode ser o passaporte para sua desgraça.”
Assim, para prevenir o uso de drogas no esporte, não cabe somente aos atletas adotarem atitudes saudáveis e de prevenção, mas também a todas as pessoas que os rodeiam, como treinadores, médicos, patrocinadores, família, etc. É necessário conhecimento e maior divulgação das consequências do uso dessas substâncias psicotrópicas, enfatizando os problemas profissionais e patológicos adjuntos ao uso pelos atletas.
Além disso, é importante a abordagem deste tema pela mídia, desmistificando o tabu USO DE DROGAS X ESPORTE, bem como ações de prevenção dentro das escolas, academias, centros de treinamento e grandes clubes.
Autora do artigo: Renata Espínola de Carvalho
Renata Espínola de Carvalho é Psicóloga Clínica e Esportiva, Coach Esportiva de Alta Performance, Especialista em Saúde Mental e Conselheira em Dependência Química.
Insta: @renatacarvalhopsicologa
Fonte: Robson Augusto revistalutas: (21) 98703-0365
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